Hierarquia
Já
me perguntaram se eu gosto de ser pai-de-santo. Refleti bem antes de
responder afirmativamente. Se sou um é porque gosto. Na verdade não sei
porquê.
A Umbanda apresenta facetas interessantes e que fogem ao
tradicionalismo das religiões. Embora não exista nenhuma regra escrita
que lhe dê o poder, o pai-de-santo (leia-se sempre: pai-de-santo ou
mãe-de-santo) é quem dirige um terreiro de Umbanda e sua palavra tem a
força da decisão. O fato peculiar é que ele não é nomeado e muito menos
eleito: ele tem seguidores que acreditam e aceitam o que ele prega.
Queiram ou não, ele é o chefe da comunidade que se abriga sob seu teto e
o seu Orixá será sempre o chefe espiritual do terreiro. O Orixá cósmico
do dirigente marca a linha de trabalho do terreiro e a entidade dessa
linha que incorpora nele sempre será o chefe espiritual do terreiro que
ditará todas as normas e regras para o seu funcionamento.
Vale dizer que igualmente inquestionáveis são as decisões do
pai-de-santo, por se entender que eles interpretam a vontade dos
espíritos responsáveis pelo terreiro. O cuidado com um templo umbandista
é muito complexo por haver a necessidade de uma permanente assistência
aos pontos de segurança firmados pelo seu responsável e a própria
dinâmica da gira que está sempre em permanente ebulição e por isso fica
sob austera vigilância. Para isso existe toda uma hierarquia dentro de
um terreiro, começando pelo pai-pequeno (leia-se sempre: pai-pequeno ou
mãe-pequena), que é o substituto do pai-de-santo, além de ter a
obrigação de fazer com que os trabalhos sejam rigorosamente dentro da
linha pré-esta bel ecida pelos dirigentes principais.
Discordâncias e não aceitação do mando levam os membros a uma ruptura
da hierarquia capaz de fazer o papel do palanque de uma cerca. Mandar e
ser mandado não podem ser confundidos com prepotência e submissão.
Aprendi com uma entidade que quem não sabe obedecer jamais vai poder
mandar. O soldado faz continência ao sargento, o sargento ao tenente, o
tenente ao capitão, o capitão ao major, o major ao coronel, o coronel ao
general e o general à Bandeira Nacional.
Já me perguntaram se eu gosto de ser pai-de-santo. Refleti bem antes
de responder afirmativamente. Se sou um é porque gosto. Na verdade não
sei porquê.
Na minha reflexão descobri que antes eu tinha compromisso só com as
entidades que eu trabalho, hoje tenho com todas que trabalham no
terreiro. E as pessoas às vezes não entendem que eu sou igual a qualquer
um, com todas as emoções, acertos e erros de um médium, e o que me
difere é que sou talvez mais experiente e obrigado a cumprir o
compromisso que assumi perante os espíritos que me cuidam. E todo
pai-de-santo, entre o dever de cumprir as suas obrigações e magoar um
membro de sua corrente, fica sem opção: o compromisso com a
espiritualidade tem que prevalecer. Tenho acertado comigo mesmo: quando
eu sentir que estiver, por um motivo qualquer, atrapalhando o terreiro,
entregarei minha guia ao meu sucessor.
- A Umbanda não tem um órgão centralizador · felizmente, e por isso não existem regras para a abertura de um Terreiro. Alguém se torna pai-de-santo quando recebe suas obrigações de outro pai-de-santo. Com sua personalidade, modo de ser, idéias sobre a religião e filosofias, é seguido por outros que acreditam no que diz e faz e se subordinam, espontaneamente, ao seu mando. São opções livres e da vontade de cada um.
- O pai-de-santo, também chamado zelador, dirigente ou diretor, cria a linha de seu trabalho de acordo com seu Orixá cósmico. Por isso que se diz Terreiro ou Casa de Oxalá, Ogum, Oxossi, Xangô, Iemanjá, Oxum ou Iansã.
- A rudeza das minhas palavras não deve ser considerada como desrespeito aos meus companheiros, mas entendida como fidelidade à boa organização de um terreiro: a mãe ou pai-de-santo ditam as normas, a mãe ou pai-pequeno as acatam e os capitães de terreiro obedecem e as fazem cumprir.
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